Vampiro, A Máscara
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RPG de fórum baseado em 'Vampire, The Masquerade'
 
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 Les Papilles

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Mestre do Jogo


Origem : SP
Ocupação/função : RPG

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MensagemAssunto: Les Papilles   Les Papilles Icon_minitimeTer Fev 23, 2010 11:53 am

Acaba de ser inaugurada a boate mais elegante da cidade.

Trata-se, porém, de uma boite no sentido francês do termo mesmo,
para resgatar um pouco desse lado da cultura vermoniana:
não é um lugar para "música" putz-putz, fumacê ilegal, paqueras adolescentes ou vulgaridades. Está mais para um bar chic de solteiros
com uma ampla pista de dança, apresentações de jazz ao vivo
e bartenders que fazem coquetéis com malabarismos a la Brian Flanagan
(especialistas em bar etiquette, cocktail preparation e mixology,
como se diz na língua inglesa).

O único problema do lugar é que os preços são bem salgados nesta estilosa boate de elite.
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Anne Marrie Wills

Anne Marrie Wills


Origem : Nova York
Ocupação/função : Programadora

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MensagemAssunto: Re: Les Papilles   Les Papilles Icon_minitimeDom Mar 14, 2010 6:50 pm

Anne Marrie Wills. Esse era o nome que figurava no crachá sobre a bancada do banheiro feminino, no terceiro andar, da Spectron Pharmaceutical Laboratories. Sua dona estava lavando o rosto com vontade, os cabelos loiros um pouco molhados devido o ato, a blusa branca de botões também sofrera com a água, deixando visível a alça do sutiã, as mangas da mesma estavam dobradas até os cotovelos. As sandálias altas já estavam abandonadas a um canto da parede, e os pés agradeciam poder tocar o chão de mármore frio, apesar da meia-calça. A saia preta na altura do joelho parecia a única intacta no processo. Anne analisou-se no espelho após mais uma leva de água no rosto, a maquiagem já não existia mais, e a impressão que tinha de si mesma era de uma mulher descuidada com sua aparência. Mas também pudera, trabalhar praticamente sozinha naquela imensa empresa não era das tarefas mais fáceis. Arthur, seu único colega em programação havia passado as últimas quatro horas cochilando em sua mesa de trabalho, depois de acabar com uma caixa de Donuts e uma Coca-Cola de dois litros. Tal desleixo se dava ao fato de já ser um funcionário efetivado, enquanto ela ainda tinha mais um ano de experiência para conseguir concluir sua efetivação. Ao aceitar os dois anos de experiência, não imaginara que trabalharia em dobro para atender todo e qualquer problema na informática da empresa. Pelo menos não havia quem tivesse a coragem de afirmar que não se esforçava.

Já passava de onze da noite quando Anne ouviu o elevador funcionar. Provavelmente seria Sebastian Stratton iniciando seu "dia de trabalho", além dela só havia as funcionárias da limpeza, e nenhuma delas utilizava o elevador, mesmo quando nos andares mais altos do prédio, o motivo ela desconhecia. Nesse ano em que trabalhara na SPL ela se acostumara com a rotina do chefe, sempre chegando à noite, e provavelmente saindo antes do sol nascer. Ninguém poderia reclamar de tal rotina, já que Sebastian Stratton era o homem de negócios mais falado em Vermont, o modo como ele conseguia isso era o de menos. Ela própria preferiria dormir o dia inteiro e trabalhar somente à noite, quando não havia vinte reclamações em seu telefone "Meu computador não liga", "A internet não está conectando", "O computador travou minha planilha de custos", "Venha já consertar essa máquina estúpida", e os famosos erros de estagiários: "Anne, me ajuda antes que o Horace chegue aqui, eu acho que cliquei no botão errado e a tela apagou... Ele precisa desse relatório pra daqui a pouco. Me ajuda pelo amor de Deus" . Assim era a vida de escrava que levava na Spectron Pharmaceutical Laboratories, mas ela também não podia reclamar, apesar do salário estar longe do que costumava ganhar em Nova York, era suficiente pra pagar sua casa, comida, transporte e alguns luxos. Anne ainda estava tentando encontrar algum cliente em sua outra área para facilitar suas despesas, mas Bennington tinha se mostrado uma cidade moralista demais para quem vivera na Big Apple.

Anne pegou o crachá abandonado e o jogou dentro da sua pasta de trabalho preta, calçou as sandálias sem se importar em ajeitar as correias, e seguiu em direção ao elevador. Conforme imaginara estava parado no andar de Stratton, apertou o botão de chamada e procurou as chaves do carro na pasta enquanto esperava. Um dia ainda seria capaz de demitir Arthur de sua vida mansa de enfeite por todo o trabalho que deixara com ela, ainda mais depois de hoje. O motivo de estar saindo depois das onze da noite fora a incapacidade de Arthur de resolver problemas. O sistema do terceiro andar inteiro entrara em pane às 17:00, e Arthur devia colocá-lo em funcionamento até as 18:00, a tempo dos relatórios para a reunião de amanhã às sete da manhã serem impressos. O bug, que seria facilmente resolvido com a utilização de um programa próprio no computador central, transformara-se em encrenca quando Arthur tentara transferir os arquivos pro quarto andar. Resultado: O quarto andar inteiro parou. às 18:00 não havia relatório impresso, todos estavam indo para suas casa, e isso incluía... Arthur. E lá ficara Anne Marrie, corrigindo o problema de cinquenta computadores, e ainda imprimindo os relatórios anuais, já que eles deveriam estar sobre a mesa do Diretor de Orçamento às sete da manhã.

O elevador abriu suas portas e Anne adentrou o pequeno compartimento de metal, a chave do carro finalmente em sua mão. Apertou o botão do estacionamento do Subsolo, onde costumava deixar seu Ford e aguardou. A música do elevador não era tão irritante como a anterior, ouvir Garota de Ipanema por um mês inteiro, mesmo que aos pedaços, e em português, não era seu ideal de relaxamento. Agora quem tocava no pequeno compartimento de metal era Ray Charles, Bye Bye Love, se não se enganava. Desde que chegara à Vermont logo percebera que não ouviria muita música POP ou Rock, mas o clássico Jazz. Anne acabara se afeiçoando ao estilo, que realmente tinha uma melodia, e letra, melhor do que as músicas de sucesso em Nova York. Acabara cedendo de vez quando comprou uma coletânea de dez CDs com o melhor do Jazz americano, apesar do uso do MP3 ser absurdamente mais popular, havia um certo charme em colocar um CD no som, muito parecido a quando se colocava um disco de vinil na vitrola. Assim que deixou o elevador e se dirigiu ao Ford estacionado, Anne já cantarolava em voz baixa a música de Ray. Para manter o clima, trocou o CD do carro pelo que continha as melhores músicas do astro do Jazz e ligou o motor. O vigia da noite sorriu-lhe quando passou pelo portão da empresa e ganhou a rua.

Em dias normais ela teria seguido a Leste pela Main Avenue, virado à esquerda na Silver Street e seguido até a Crescent Boulevard, onde seu prédio se encontrava. Teria subido o elevador, se livrado de todas as roupas antes de chegar no banheiro, e desfrutado de um demorado banho de ducha antes de cair na cama sem ao menos jantar. Mas hoje era a inauguração da única casa noturna de Bennington, e digo casa noturna por não ser nada parecida com uma boate. Les Papilles era um lugar para a elite de Vermont, com boa música, leia-se Jazz, preços altíssimos e barmans equilibristas. Mesmo assim era uma casa noturna, onde não se devia chegar acompanhado, mas assim sairia com um pouco de sorte. Anne queria muito ir à inauguração do local, e sabia que se fosse à sua casa antes, só chegaria ao seu destino final às duas da manhã, e encontraria as portas fechadas. Outro motivo para Arthur pagar por seus pecados, a faria ir ao melhor lugar da cidade vestida como uma secretária. Anne afugentou os pensamentos ruins e estacionou a duas quadras do lugar, já havia certo movimento e ela ainda não se preparara apropriadamente. Acendendo a lâmpada interna do carro, Anne retirou um pequeno estojo de maquiagem de sua pasta. Com delicadeza, refez a maquiagem, sempre em tons muito claros e sóbrios, a única exceção era o batom vermelho, não muito escuro, mas que realçava seus lábios, os olhos estavam delineados pelo lápis marrom, aumentando-os um pouco. Por fim prendeu os cabelos em um meio rabo, dando um ar não muito profissional graças aos seus cabelos estarem ondulados.

Antes de deixar o carro Anne arrumou as sandálias em seus pés e desabotoou a camisa branca que vestia, jogou-a no banco de trás e resgatou de lá uma blusa preta de seda, bem mais alinhada para um lugar como Les Papilles. Desde que começara a trabalhar lá, e percebera quantas noites ela passaria ali, Anne havia aprendido a deixar ao menos uma blusa no carro para ocasiões especiais. Uma blusa era mais prática, e facilmente mudava o visual de trabalho, já que a saia preta era um coringa quando se tratava de moda. Além disso, seria muito inconveniente tentar se vestir completamente e ser abordada por um guarda daquela cidadezinha tão conservadora. Deu uma última olhada no espelho, pegou sua "mini-bolsa", que também usava como carteira, e saiu do carro, travando-o. Ela caminhou as duas quadras em direção ao Les Papilles sem pressa, a maioria dos clientes estaria chegando de carro e entregando as chaves ao manobrista, mas ela precisava passar a idéia de que morava próximo e só por isso viera a pé. Talvez nem essa desculpa funcionasse, ela sabia, mas era melhor do que explicar porque dirigia um Ford, ou como se trocara no carro.

Quando cruzou a porta do lugar, Anne era só sorriso. Exatamente como previra o ambiente era decorado com muito bom gosto, o pequeno palco para as apresentações de Jazz ainda não estava funcionando, mas a disposição dos instrumentos indicava que logo começariam a tocar. O bar era todo feito em madeira, elegantes garçons desfilavam dele para pequenas mesinhas ao redor da pista de dança, barmans treinados executavam a preparação de drinks com a maestria de equilibristas. Alguns jovens da elite já haviam chegado, a maioria dos homens se prostrava no bar, tomando uísques de 15 anos, ou fumando um charuto cubano. As mulheres pareciam andar em grupo, sempre em número mínimo de três, sentadas em uma mesinha, tagarelando com sorrisos muito brancos e cabelos perfeitamente penteados. Anne já fora uma delas, rodeada de amigas e de dinheiro, mas essa era a vida que havia escolhido afinal, e não trocaria sua liberdade por nenhuma aliança de diamante, não que recusaria uma. Anne acomodou-se em uma das mesinhas tentando manter sua pose e estirpe, queixo sempre erguido, gestos delicados e sorrisos não muito exagerados. Recusara a bebida ao garçom, e esperara que algum dos homens no local a pagasse um drink. Seu dinheiro era contado e não podia se dar ao luxo de gastá-lo tão cedo, além do mais, mulheres como ela conseguiam tudo o que queriam. Esperava que em Vermont esse fato não mudasse.
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Behnam Davor

Behnam Davor


Origem : Bosnia Herzegovina
Ocupação/função : bancário (analista de negócios)

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MensagemAssunto: Re: Les Papilles   Les Papilles Icon_minitimeTer Mar 16, 2010 4:27 pm



Ele não podia reclamar dos Estados Unidos. Haviam lhe dito, antes de sair de Tomislavgrad, que os americanos são xenofóbicos e ele seria tratado como escória — o que tinha impacto sobre o seu sentimento croata de inferioridade. Mas vinha procurando emprego há mais de 5 anos em seu país, e este mercado de trabalho estava tão falido que não achou que poderia ser pior nos Estados Unidos. E não foi. Escolheu o Estado certo, com maior índice de empregabilidade, não que soubesse que Vermont era tudo isso, mas de Nova Iorque para Bennington são apenas três horas de viagem, e Behnam "took the chances", já que não queria ficar lavando prato num restaurante quando tinha formação em administração de empresas.

Não logrou obter um emprego de nível universitário em Bennington, mas pelo menos lidava com altas figuras do mercado de trabalho em seu singelo posto bancário de assistente em análise de crédito. Costuma lembrar de um verso bíblico que diz "A lagartixa pode ser apanhada com as mãos. E no entanto ela anda pelos palácios dos reis." Conseguia entender esse enigma de Salomão. Ele era uma lagartixa. Sentia-se uma lagartixa. Mas fazia uma análise prévia dos pedidos de crédito de empresas da estatura de uma Spectron Pharmaceutical Labs... Não que ele fosse fazer alguma diferença nisso, pois a ordem a este respeito era nem incomodar o chefe repassando sua prévia: para a Spectron Pharmaceutical Laboratories era para dizer sempre "sim", não importava o volume de dinheiro envolvido.

Na festa de 100 anos de existência do Bank of Bennington, a Appleton Roland L Inc, mais prestigiosa casa de festas da cidade, geralmente alugada só para eventos da nata da socialite, estava lá o macilento Behnam Davor num smoking de brechó e sua cara de lagartixa pisada - mas estava lá. Foi quando teve a oportunidade de conhecer o famoso Sebastian Stratton e sua esposa Vanora, o casal mais elegante e majestoso que já vira pessoalmente. Para a vidinha pior do que prosaica de Behnam, só a oportunidade de contemplar de perto aquela esplêndida dupla de magnatas era um privilégio.

E se contentou em entupir-se das comidas caras da festa sem ousar sequer trocar olhares com as moças riquíssimas e bem-vestidas que apareciam por lá, suas únicas companhias femininas sendo a rechonchuda Monica da cobrança, a até que bonita mas extremamente problemática operadora de caixa do Personnalité e uma engenheira de software que aparentava ter uns 90 anos mas, paradoxalmente, se dizia vegetariana, desportista e abstêmia. No resto da equipe de baixo status, do mesmo nível de Benham, mas convidado para o evento a fim de vender a impressão de política de RH democrática e inclusiva, não havia muito mais mulheres, e estas eram casadas. Não seria em ambiente de trabalho que Benham arrumaria uma companheira.

Mas não foi por causa disso que ele compareceu na inauguração do Les Papilles.

Na madrugada anterior, fora despertado por um telefonema quase inaudível de Bogdan Raskovic, seu guru em Tomislavgrad. Ele era um sérvio metido a monge tibetano em quem Behnam procurara algum alívio para seus conflitos emocionais. Sendo típico filho do meio de uma família onde o pai sofre de um temperamento instável e vive berrando com esposa e filhos, e a mãe se faz de submissa para não apanhar mas pelas costas do marido tem vida dupla com homens um pouco mais carinhosos, a cabeça de Behnam vivia recheada de culpa, tristeza e confusão. Raskovic não resolvera esses problemas, mas lhe ensinara a pelo menos "calar a mente": o rapaz veio a descobrir que a meditação transcendental das religiões asiáticas é um mecanismo de fuga bastante eficiente. Não engorda, não é tóxica, não é imoral, não cura — mas tem certo poder analgésico.

Eram 3 da manhã quando Raskovic lhe telefonou - na chamada "hora morta" pelos ocultistas. O guru estava fora de si, e não parecia falar coisa com coisa. A qualidade da ligação também era péssima mas algumas coisas Behnam entendeu distintamente: "Anne Marrie Wills corre perigo." "Você precisa avisá-la." "Stratton é um vampiro."

Apesar do hábito de Raskovic de praticar alpinismo nas paredes de sua cabana, ele não tinha um histórico sólido de loucura. Também não tinha a menor condição de saber quem era "Anne Marrie Wills", já Behnam sim: logo na manhã seguinte, consultou a folha de pagamentos da Spectron, que necessariamente integrava a pasta para análise de créditos, e viu o nome exatamente como Raskovic havia pronunciado em seus rascantes acentos sérvios — Anne Marrie Wills.

Tentou telefonar para o guru buscando entender melhor o que estava acontecendo, mas tudo que o outro lado da linha lhe ofereceu foi um grito alucinado de Raskovic e um relato desesperado de que as apsaras de Shambhala não o deixavam mais dormir, intercedendo pela tal da Wills; ficavam dançando nuas ao redor dele, tirando-lhe a paz do espírito, e principalmente do corpo, até que ele se interessasse para perquirir o que poderia fazer por alguém que não conhecia e elas respondessem que Behnam a conhecia...

- Então por que vocês não vão atormentá-lo? - indagara Raskovic.

- Porque Behnam é guei e nosso tipo de pressão não causaria o mesmo efeito sobre ele.

Mortificado com essa baboseira, o croata decidiu deixar aquele assunto de lado, batendo o telefone no gancho ao mesmo tempo em que, interiormente, mandava Raskovic pro inferno. De todo o tremendo absurdo da história, só uma coisa ficava martelando em sua cabeça: a acusação de ser guei. É verdade que nunca tivera sucesso entre as mulheres, mas quer dizer que só porque você é virgem você é viado? De tal maneira ficou incomodado que, tão-somente em função de sua hombridade ferida, desejou conhecer a famigerada Anne.

Ele semi-acreditava na religião de Raskovic, podia ser que as apsaras estivessem apontando para o rapaz a sua alma gêmea, pois aquela parte em que Anne Marrie Wills era apresentada como a futura vítima de um vampiro não encontrou abrigo nos pensamentos de Behnam nem por um minuto. Era no máximo engraçado pensar em Stratton como sendo um vampiro, para o que comparações com o Dracula de Bela Lugosi eram evocadas pela mente do moço. Ao seu ver, não havia no folclore popular figuras mais ridículas que os vampiros, e Stratton estava longe de ser um homem ridículo.

Ao contrário do tipo de impressão que Raskovic quisera lhe incutir, foi impelido por bons presságios que Behnam acabou indo até a Spectron em sua portentosa, invejável, beatífica motoca Yamaha Rd 200, cujo escapamento por si só poderia dar conta de todos os efeitos pirotécnicos da Abertura 1812 de Tchaikovsky.

Na recepção, pediu para falar com Anne Marrie Wills. A funcionária do setor ligou para o departamento de informática e foi atendida por Arthur, que preferindo conservar desembaraçada de interrupções a sua sacrossanta ociosidade disse que Anne não estava disponível porquanto atolada em serviço. De fato, o dela e o dele. O mínimo que ele podia fazer por ela era mantê-la livre de distrações. Behnam disse que voltaria no fim do expediente dela e voltou - mas Anne ainda não tinha saído.

Ele sentou-se em um dos sofás da recepção para esperá-la e foi tomado de um torpor irresistível, como deve ter sido o de Adão quando posto para dormir a fim de lhe ser retirada uma costela. E Behnam sonhou. Sonhou com uma grande saga, em que era caçado por monstruosidades que desejavam lhe retirar as costelas e realmente esculpi-las, a fim de suprir a perda de ossos de uma mulher muito pálida que fora esmigalhada debaixo de um caminhão.

Bem entendido: tratava-se de um sonho quase epopéico; ele tinha visto um homem alto, de expressão muito severa, nariz adunco, abrigado por um respeitável sobretudo ocre, "erguer" o caminhão telecineticamente e arremessá-lo contra aquela mulher, que parecia a Cher depois de mais 38 cirurgias plásticas. Pasmo, Behnam a assistiu sobreviver, inobstante não pudesse mais mover-se, ossos triturados pela compressão do imenso veículo. Os outros indivíduos que estavam com ela volveram para o croata suas caras de poucos amigos, o qual até então julgava estar bem escondido atrás de uma árvore distante, e no sonho ele soube que queriam seus ossos para dar forma ao hambúrguer que a feiosa tinha virado. O que parecia comandar o grupo dizia "A Geração dela não é boa e seus ossos já passaram por muitas manipulações. Vamos lhe dar um esqueleto novo." Behnam corria e se deparava com uma mulher loira muito bonita, que ele entendeu, graças àquela onisciência própria dos sonhos, ser Anne Marrie Wills.

Por um lado se sentiu seguro ao encontrar com ela. Por outro, ela dizia-lhe em tom de comando: "Você não vai se lembrar de nada disso". E ele acordava em sua própria cama, seguro, livre. Mas aquele Behnam na cama berrava para o que estava sonhando: você vai deixá-la enfrentando aquelas feras sozinha?

Despertou encharcado de suor, coração disparado, com todas as pessoas naquele patamar do prédio olhando para ele, cujo rosto estava decomposto de agonia. Ele se compenetrou de que Anne realmente corria perigo. Lembrava-se da sensação no sonho de que ela era, de algum modo, poderosa o bastante para lidar com aqueles monstros. Mas para isso ela mesma havia se transformado num monstro, a única exceção é que não exteriormente, como eles. Suas íris tinham ganhado uma coloração avermelhada, fazendo-o lembrar de alguém, só não sabia precisar quem.

Ele tremia visivelmente e, com uma sede de camelo, esvaziou quase metade de um bebedor de sifão ali perto. Assustou ao reparar a hora: eram quase 11 da noite. A recepcionista tinha ido embora e em seu lugar o próprio segurança monitorava o já minguado tráfego de pessoas. Behnam gelou ao ver Sebastian Stratton assomando na entrada da empresa para o seu "dia de trabalho". A pitoresca rotina profissional desse homem dos altos escalões não era segredo para ninguém na tradicional Bennington, onde a vida do coveiro era manchete na fofocas do dia - que se diria a de um dignitário como Stratton.

Era a primeira vez que os olhos de Stratton cruzavam os de Behnam. Os cabelos do moço se arrepiaram como as cerdas de uma piaçava - os cabelos do corpo inteiro. As íris de Stratton tinham uma coloração estranhamente avermelhada, ou Behnam ainda estava sonhando. O diretor da empresa parou e ficou encarando o croata, que desconcertado deu de costas sob o pretexto de encher mais um copo no sifão, embora já não agüentasse mais beber água. Suas mãos tremiam tanto que o líquido ficava parecendo uma mistura de pepsi com mentol, chegando ao ponto de lhe borrifar a cara. Ou era ele mesmo que queria se refrescar. Sentia o rosto em brasa. Sentia que havia perdido um pedaço da alma com aquela conexão visual. Que de algum modo aquele homem passara a deter uma vantagem sobre ele dali em diante; que para experimentar mais liberdade que isso, uma solitária em penitenciária de segurança máxima não parecia má idéia. Só se virou de novo quando ouviu a porta do elevador se abrir e fechar: era Stratton subindo para seu escritório, pois além dele, de Behnam e do porteiro já não restara mais ninguém ali no térreo.

Foi quando ocorreu a Behnam o azar que tivera ao seu caminho cruzar com o de Stratton. Por que descargas d'água o diretor não subira diretamente do subsolo - do estacionamento - para seu escritório? Por que fora entrar na empresa justo pelo patamar onde Behnam se encontrava? Então o rapaz atinou que Anne já podia ter ido embora faz tempo; se ela tinha carro, passaria direto pelo térreo, saindo pelo subsolo - e ele esperando ali na recepção feito o idiota que sempre fora.

Arrastou os pés para fora do edifício com uma sensação esmagadora de fracasso. Agora, mais que nunca, ele sentia que devia avisar Anne de algum perigo terrível. Mas qual? O que iria dizer-lhe, de qualquer forma? A melhor opção era voltar para casa e esquecer aquela loucura toda. Ele ainda tremia, taquicárdico, e corria o risco de fazer um feio abismal desmaiando ali na frente do gorila que servia de porteiro e segurança.

Mas o destino se impunha impávido: foi sair da empresa e ver um velho Ford emergindo da rampa do estacionamento ao lado da escadaria de entrada, no qual perfeitamente divisou ao volante a mulher dos seus sonhos. Ou seria melhor dizer, a mulher dos seus pesadelos. A iluminação do jardim da fachada e as feições marcantes, chamativas da bela moça, eram suficientes para garantir a Behnam que ele não estava enganado. Rapidamente pôs-se a segui-la, com o máximo de discrição que sua motoca permitia.

Ela estacionou numa rua lotada de veículos, sem dúvida por causa da inauguração do Les Papilles. O evento vinha sendo motivo para badalação dos jornais já fazia um tempo, principalmente graças às histórias do sensacionalista Jean Jacques Sans-Cervell, colunista do L' imonde, de que o terreno sobre o qual aquela boate fora construída servira de sepultura a numerosas vítimas de Charles Manson.

Behnam teve que reunir muita coragem para abordar Anne Marrie Wills, principalmente quando se viu paralisado ante a beldade em roupas íntimas: ela havia escolhido um lugar mais afastado da rua para estacionar o carro, por sinal querendo aproveitar a obscuridade daquele canto a fim de se trocar como fazia - mas deixara a luz de teto do carro acesa... Quem continuava na obscuridade era Behnam, acostumado a tal condição abstrusa.

Ela saiu do carro com passos decididos - e decididamente linda - e Behnam, sempre ansioso na hora de falar com uma mulher bonita, hesitou por instantes. Por instantes demais: ela acabou entrando na boate, cujo ingresso seria uma facada para ele. Mas se depois do insólito telefonema de Raskovic, do sonho agourento e das incríveis coincidências da tarde ele tivesse seguido Anne até ali para nada, iria sentir-se muito pior consigo mesmo que o normal, e isso seria caso de suicídio.

Não foi difícil localizar Anne Marrie Wills. Ela sobressaía na multidão. Sem dúvida alguma não havia mulher mais bonita no lugar do que ela. Isso tornava as coisas muito mais difíceis para Behnam. Ajudava o fato de estar desacompanhada e ele imaginava que isto ocorria não por ela haver acabado de chegar e sim porque todos os outros homens ali deviam se sentir tão intimidados quanto ele: não era só que Anne era bonita; tinha uma expressão determinada, transpirava segurança. Ele se sentia como o Charlie Brown perto da "garotinha ruiva". Sua boca secava como se fosse viciado em opióide: ficava difícil mover a língua e até mesmo descolar os lábios.

Mas já havia pagado 50 dólares a fim de estar ali e para ele isso era muito dinheiro. Melhor terminar logo com aquela tortura. Respirando fundo, caminhou até a mesa à qual se achava Anne. Foi só quando estava parado do lado dela como um estafermo que refletiu duas vezes sobre o teor da conversa que estava ali para entabular com ela. Aí entrou em pânico, mas se saísse correndo, como era seu desejo, faria mais feio ainda e era disto que tinha medo. Não se achava minimamente atraente e fazer mais feio que aquilo, também seria empurrá-lo dali para uma banheira com água quente e uma gilete afiada - para os pulsos.

Boca ainda seca, puxou pela casaca um garçom que passava ao lado, fazendo para ele "dois" com os dedos. Alguma coisa no semblante aterrado de Behnam fez o garçom entender e ficar com pena de perguntar "dois o quê?" — Era fácil perceber que aquele magrelo com cara de porta estava dando passo maior que as pernas com aquela moça. Voltou ali com dois Apple Martinis, um coquetel de frutas de baixo teor alcoólico e bastante refrescante. Nesse ínterim Behnam ficara ali olhando para Anne com um sorriso sem graça, à espera de ser convidado a sentar. Ela se quedou observando-o como que num ar de desafio (para ele, qualquer coisa vindo daquela mulher, até um sorriso, seria um desafio) e ele entendeu, ou achou que devia entender assim, que se a iniciativa havia sido sua que fosse até o fim com ela... Rapidamente tomou assento à mesa, como se com medo que se não fizesse isso logo ela o expulsaria a machadada.

Os drinks chegaram e ele virou o dele de uma talagada só. Ficou desgostoso:

- Você não tem nada com pinga ou com tequila? - perguntou para o garçom.
- Temos um coquetel que é como uma porretada na nuca.
- Como é?
- Chama "Satan Lives".
- Vai esse.

Com aquele nome, Behnam não precisava saber especificações de receita. Necessitava de um nocaute, pois percebia que estava determinado a contar para ela as loucuras de sua tarde. Nervoso, não sabendo por onde começar, as mãos se retorciam mutuamente e ele disparou:

- Esta tarde eu sonhei com você.

Ousando erguer os olhos para ela, suas faces arderam como jalapeño e ele tornou a se perguntar que força era aquela que o mantinha ali quando, para sua razão, ele só podia estar louco.

- Entenda, não foi nada de obsceno - ele correu emendar, apreensivo, decoroso. - As íris dos seus olhos eram vermelhas e você me salvava de um bando de monstros que queriam meus ossos pra um transplante numa mulher que parecia ter sido vítima de um Braquium Remendo por parte do Gilderoy Lockhart — e deu uma risadinha, achando que estava conseguindo quebrar o gelo - dificilmente, caso ela não tivesse lido Harry Potter. Ele percebia estar fazendo um papel ridículo, porque Harry Potter não é uma referência que se faça em uma conversa adulta, madura. É coisa de menina.

Seus ombros despencaram ante o fracasso inevitável; por nada no mundo ela iria acreditar nele, tomando tudo como a cantada mais ridícula que já havia recebido. Ele meneou a cabeça e a descansou na mão trêmula, olhos cravados na mesa, inibidos.

- Escute, fique longe de Sebastian Stratton, ok? Ele tem más intenções com você. É tudo que posso dizer. Eu sei. Só acredite que eu sei.

Chegou o coquetel Derruba-Golias. Ele tratou de beber para afogar a consciência que já procurara apaziguar dando o aviso, por mais que não tivesse se empenhado para fazê-lo parecer convincente. Ele era pessimista demais para querer contar a história em detalhes, já antecipadamente se desanimando de que não iria persuadi-la.

[off] As alusões neste post a todos os personagens que não são meus foram autorizadas pelos respectivos players. [/off]
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Anne Marrie Wills

Anne Marrie Wills


Origem : Nova York
Ocupação/função : Programadora

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MensagemAssunto: Re: Les Papilles   Les Papilles Icon_minitimeSex Mar 19, 2010 12:12 am


(AEEEEEEEEEE!!! aprendi a usar o 4Shared *_*)

Marrie levou a mão à boca para camuflar o bocejo, embora uma banda tivesse começado a tocar, e a música agradável enchesse o ar, ainda não lhe havia tido a oportunidade de flertar com nenhum rapaz. Marrie possuía a classe e a finesse de moça rica, mas sua atual condição e seu deleite pela liberdade, e pela própria libertinagem, talvez fossem perceptivos demais para os homens ao seu redor. Começava a crer que a cidade de Bennington nunca a entenderia, ou a convidaria a se sentir em casa. Ela não conseguia se habituar à rotina pacata e maçante do lugar, havia sim as aventureiras de plantão, mas a notícia corria tão rápido quanto em uma cidade pequena do Sul, e logo a devida moça estava tão mal falada, e com todo tipo de porta fechando ao seu redor, que não tardava a desaparecer de vez da cidade, se não de Vermont. Ao mesmo tempo Marrie tinha absoluta certeza que o mesmo conservadorismo que a sufocava, era o escudo necessário para proteger-se. Não a encontrariam ali, cercada de rotina e jovens discretos. Não a procurariam num local onde a única boate existente mais parecia um bar de um clube para magnatas. Quem acreditaria que Anne Marrie conseguiria viver com seu gênio e paixão controlados, quase omissos?

Anne voltou a circular seu olhar pelo local, os mesmos jovens discutiam futilidades e negócios no bar, as mesmas jovens fofocavam sobre eles em pequenas mesas, alguns já haviam até mesmo formado pequenos pares que dançavam ludicamente na pista de dança, passos leves e marcados, mãos comportadas e olhares furtivos típicos de jovens castas. Não pôde deixar de sorrir ao lembrar de que um dia fora exatamente assim. Não sabia se a faculdade tinha sido sua salvação ou perdição, mas não trocaria aqueles anos de luxúria desenfreada e jogos de poder por nada. Aquelas jovens podiam aproveitar sua vida perfeita e pura o quanto quisessem, mas um dia elas veriam bater em sua face o tempo que perderam por tolas morais. Então, aquelas jovens se encontrariam casadas com algum herdeiro ou promissor talento, e sua comodidade as prenderia a seus maridos, tolas moças que não conseguiriam vislumbrar vida sem o dinheiro de seus cônjuges, que nunca saberiam o quão prazeroso é ganhar a vida com o próprio corpo, e com uma paixão desenfreada e intensa por si mesma. Aquelas moças se subjugariam todos os dias ao perceber sua vida vazia, se aventurando em casos curtos e desprovidos da verdadeira intensidade, sempre regados a cuidados extremados para não perderem seus preciosos provedores. E aquelas jovens dariam às suas filhas seu próprio destino, e mais uma geração de mulheres pela metade seria trazida ao mundo.

A garganta seca de Anne já lhe implorava que deixasse seu orgulho de lado e pedisse uma bebida, sua presença solitária já atraía olhares maldosos e podia jurar que o assunto da mesa "feminina" mais próxima era a mulher desacompanhada e pobre, já que seus trajes mantinham a simplicidade que pode pertencer a uma Lady inglesa ou a uma caça-maridos. Riu sozinha, percebendo que atraía ainda mais olhares, embora seu bom senso dissesse que deveria dar a noite por encerrada, seu orgulho e ego apreciavam tanta atenção dispensada. Mordeu os lábios provocando, ciente de que estava percorrendo uma linha tênue entre o decoro exigido na cidade e seu lado subversivo que clamava por tirar-lhe da monotonia.

Foi quando cruzou seu olhar com o de um recém chegado, o moreno era vagamente familiar, trajava uma camisa azul-clara, gravata listrada, calça jeans, sapato marrom de bico quadrado, e uma jaqueta de couro preto. Em resumo, destoava amplamente do ambiente em eu se encontrava. Desviou os olhos do mesmo rapidamente ao ver que ele a encarava, fitou impacientemente a toalha de mesa creme e rezou para que ele não se aproximasse. Seus ouvidos se aguçaram ao perceber os risinhos que eram soltos, aparentemente davam àquele ser o título de seu acompanhante. Como se atreviam? Viera ali para conseguir um homem de charme e bem provido, e não qualquer um. Queria uma diversão de alto nível, não investira 50 preciosos dólares para sair com alguém que te cantaria em um McDonald’s.

A loira logo percebeu, para sua infelicidade, que o rapaz estava mesmo disposto a falar com ela. Ergueu os olhos desde os sapatos marrons até seus olhos castanho-claros, e então fitou seu rosto com mais atenção, estava séria e seus olhos faiscavam com tamanha insolência. Os comentários empesteavam a sala, o homem se prostrara tal como um poste ao seu lado, enquanto conversava com um garçom. Com razão o homem encarava o pobre coitado com certa piedade e acabou por atendê-lo. Durante todos os infinitos segundos que o garçom levou para buscar-lhe os drinks o “garoto” mantivera-se estático ao seu lado. As mãos da jovem apertaram com força a pequena bolsa, e não fosse sua sede devastadora ela já teria partido dali ofendida.

Finalmente, o recém chegado tomara coragem de sentar-se à sua frente. Seu rosto era de clara apreensão, ela poderia jurar que ele estava suando de nervosismo. Nunca, jamais, aborde uma dama sem a convicção de que pode tê-la, do contrário, qualquer ínfima chance que tenha tido, foi jogada escada abaixo. O garçom depositou os dois Apple Martinis na frente de cada um com graciosidade, mas seu “acompanhante” apenas o tomou em uma única golada, como se fosse um copo de pinga ou apenas atestasse ser um bêbado profissional. Anne ainda o encarava desafiadoramente, embora sua mão direita tivesse se apossado da bebida e levado-a à sua boca. O contato da bebida refrescante com seus lábios fez seu recente mal-humor aplacar-se razoavelmente. Em silêncio, contava até cinqüenta para resistir àqueles minutos de tortura que se seguiriam, pelo único benefício de um drink.

- Você não tem nada com pinga ou com tequila?

A pergunta fez com que ela depositasse o copo sobre a mesa e o encarasse um tanto furiosa, ele realmente queria fazê-la passar vergonha, era essa a única explicação. Um Apple Martini não valia tanto embaraço. Perceba, Anne conhecia os valores de uma tequila, e sem dúvida adoraria tomar uma dessas àquela noite, já que teria que suportar um provável maluco. O diálogo que se seguira é melhor nem ser lembrado. Anne tinha um pingo de esperança de que o garçom percebesse a situação e a livrasse daquele ser o mais rápido possível, aparentemente, entretanto, o fato dele ter desembolsado 50 dólares o tornara imune a retaliações por sua eprsonalidade. Como ela sentia falta de Nova York...

- Esta tarde eu sonhei com você.

A sobrancelha de Marrie arqueou-se levemente, seus olhos se abriram um pouco enquanto ela encarava seu interlocutor, aquela “cantada” não era digna de si. Pegou seu copo e esquecendo suas boas maneiras virou-o de uma vez. Ele estava certo, seria necessário bem mais do que aquela dose de álcool para suportar a situação. Com um aceno de mão ela fez o já conhecido garçom aproximar-se, hesitou um pouco no pedido que faria, mas quando escutou a palavra “obsceno” mandou a etiqueta às favas e requisitou uma dose tripla, se possível quádrupla de tequila pura.

- As íris dos seus olhos eram vermelhas e você me salvava de um bando de monstros que queriam meus ossos pra um transplante numa mulher que parecia ter sido vítima de um Braquium Remendo por parte do Gilderoy Lockhart.

- Traz a garrafa!- ela gritou para o garçom em sinal de desespero.

O risinho dele foi apenas ignorado. Aquele maluco estava fazendo-a perder tempo com sonhos malucos, dignos de um psicopata, para infelicidade dele, aquilo não a faria temer por nada, apenas injuriar sua própria sorte. Inacreditavelmente o garçom atendera seu pedido, trouxera em um pequeno prato duas metades de um limão e um saleiro, assim como um copo de umas 200ml e a garrafa inteira de Tequila. Discretamente ele lhe sussurrara ao ouvido.

- Pode deixar, está tudo na conta dele.

Anne deu um pequeno sorriso de satisfação, uma garrafa de tequila não era nada barata. Ignorando temporariamente o maluco à sua frente, ela se dignou com esmero a servir-se da tequila, enchendo o copo, passando o sumo do limão por sua beirada, e por fim munindo as costas de sua mão esquerda de sal. Virou em um único gole a bebida ardente, chupando o sal logo em seguida com verdadeira satisfação. Rapidamente pôde sentir seu organismo inteiro esquentar, sua pele arrepiara e ela sentira seu humor melhorar o suficiente para ofertar um sorriso discreto ao seu “colega” de mesa, cujos olhos estavam cravados na mesa.

- Escute, fique longe de Sebastian Stratton, ok? Ele tem más intenções com você. É tudo que posso dizer. Eu sei. Só acredite que eu sei.

Cinco segundos. Um segundo para escutar. Um segundo para entender. Um segundo para confirmar. Um segundo para repetir as palavras dele. Um último segundo para oferecer uma reação. Então ela riu. Anne soltara uma gostosa gargalhada que fizera muitos rostos voltarem-se a ela. Parecia uma crise nervosa. A loira mal conseguia respirar de tanto que ria. Como aquele ser ousava difamar o homem mais abastado da cidade? Como ele sequer intuía que Sebastian Stratton tinha más intenções com ela, ou intenções de qualquer tipo? Aquilo era uma pegadinha? Será que alguém resolvera brincar com ela? Arthur. Aquele filho-da-mãe iria se ver com ela no dia seguinte, mas pelo menos por hoje ele pagaria por sua diversão.

- Sebastian... Stratton... Intenções... Comigo...- ela tentava articular uma frase completa, mas não conseguia, seus risos já incomodavam claramente outras pessoas, tentou mais uma vez se recompor daquela situação ridícula- Que tipo de... Intenções? Ele está procurando outra noiva, porque estou solteira.

Mais uma leva de risadas enquanto ela tentava se servir de tequila, se não fosse o mínimo de bom senso que ainda tinha, provavelmente teria virado a garrafa na boca sem cerimônia.

- Posso saber ao menos quem é meu... Ahn... Herói?

Anne se presenteou com mais uma dose carregada de tequila, soltava sorrisos e gargalhadas ao seu interlocutor. O efeito álcool funcionava bem como sempre, embora conseguisse manter uma visão clara do eu acontecia, e utilizar as palavras com certa propriedade, seu humor estava se tornando claramente mais leve, assim como sua súbita percepção da situação calamitosa que se encontrava. Não, não era o fato de ter um maluco à sua frente, mas de que desde que se mudara para Bennington não pudera aproveitar-se de sua volúpia o tanto que gostaria. Quem sabe o senhor à sua frente, apesar de maluco, pudesse servir de válvula de escape e permitir que fosse si mesma novamente. Os olhos de Marrie serpentearam pelos olhos castanhos claros, até a boca vermelha e jovem do rapaz, que havia de ser estrangeiro, pelo sotaque que carregava.

- Meu nome é Anne, Anne Marrie, caso seu sonho não tenha lhe elucidado tal fato.- a mulher mordeu levemente os lábios enquanto dedilhava suavemente o copo de tequila em sua mão, a essa altura já novamente cheio- Me diga, há quanto tempo não tem uma mulher em sua cama?

Talvez a pergunta fosse muita direta, mas depois da forma que fora abordada, nãos e preocupava em abusar da situação, muito menos em constrangê-lo. A moça tomou uma nova dose da bebida e então lambeu sensualmente os lábios, enxugando cada gota de álcool. Encarava-o atentamente com um sorriso escancarado no rosto. A noite começara como uma piada, e provavelmente, se não tivesse servido de tequila, acabaria com ela indo embora deixando-o a ver navios. O rapaz tinha seus detalhes que lhe davam charme, a aparência de pequeno anjo, caso ignorasse as roupas reprováveis, cabelos levemente cacheados e certa timidez. Ele jamais poderia pagar seu preço, mas para uma alma como a de Marrie, o prazer poderia ser de graça, ao menos por uma noite, apenas pela pura necessidade de prazer.
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Behnam Davor

Behnam Davor


Origem : Bosnia Herzegovina
Ocupação/função : bancário (analista de negócios)

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MensagemAssunto: Re: Les Papilles   Les Papilles Icon_minitimeSeg Mar 22, 2010 4:59 pm



Por aquela Behnam não esperava. Não sabia se era sorte ou azar ela estar esvaziando uma garrafa de tequila e, por uma dessas mágicas do álcool, passar a vê-lo como o reprodutor da vez naquela noite. Ele achava que devia ser bastante ativa a vida sexual de uma mulher daquelas, podendo ter qualquer um que quisesse com um estalar de dedos. Não sabia direito como a coisa funcionava, pois ele era virgem ainda e conservava a noção adquirida de uma família ortodoxa de "sexo por amor" - pelo menos sexo por prazer... no caso dele, era ato de caridade.

Dizem que o ingresso de Groucho Marx em um determinado clube de escol fora vetado por ele ser judeu; quando os amigos vieram consolá-lo, com toda a inigualável presença de espírito grouchiana ele replicou animadamente: "Nunca que eu ia querer entrar pra um clube que aceitasse um cara como eu!" Este pensamento ocorreu a Behnam quando Anne começou a lançar-lhe olhares inequivocamente lascivos.

Era para ele ficar muito contente, mas depois de certa idade a virgindade masculina torna-se um círculo vicioso: quanto mais você é virgem, mais tem medo de revelar o próprio amadorismo, principalmente com uma mulheraça experimentada que vem dar em cima de você. E esse orgulho mantém a virgindade, que é a própria razão da inexperiência que se deseja debelar. Ele achava que acabaria tendo de recorrer às corpulentas senhoras da Gail's Brownstone, que ouvia colegas chamarem "as putas xexelentas", as quais trocam "serviço" por marmita e são feias demais para inibir mesmo o mais tímido nosferatu humano que fosse atrás delas em desespero de causa.

Behnam se considerava um desses nosferatus humanos... Só não as procurara antes por saber que o desespero de causa começa a acontecer depois da primeira atividade sexual. Aí o desejo de repetir a experiência poderia levá-lo a viciar em putas xexelentas... e ele tinha seu orgulho... e seu apego às já parcas economias.

A segunda e melhor opção era encontrar uma doce e tímida jovem que fosse tão virgem quanto ele e que, portanto, não teria parâmetro para comparações embaraçosas. Por isso Rasputin dizia que o cúmulo da soberba é a castidade. O medieval machismo eslavo de Behnam confirmava a tese do russo subversivo.

Após revelar seu nome afagando o copo e mordiscando os próprios lábios, Anne disse uma coisa que confirmava esses gestos sensuais como promessa do que estava disposta a fazer com Behnam, para isso bastando ele deixar de ser covarde - e orgulhoso:

- Me diga, há quanto tempo não tem uma mulher em sua cama?

Essa era uma pergunta que ele se recusava a responder. E como não gostava de mentir e se colocasse, ou parte estratégica dele, no lugar do copo de tequila acariciado de forma sugestiva pela convidativa mão de Anne, ele pediu licença para ir ao banheiro, rapidamente puxando o máximo que podia o extremo inferior da braguilha para folgar o aperto que o tomara.

No banheiro jogou-se água no rosto tentando figurar mentalmente a fórmula anafrodisíaca à prova de falhas de Austin Powers: "Margaret Thatcher naked on a cold day!" Estava estonteado. Uma primeira parte dele o condenava como sendo o dono do orgulho mais perdedor na história do planeta, uma segunda parte se envergonhava de ter que tocar num assunto que para ele, da rural e islâmica Tomislavgrad, era mais tabu que para os provincianos naturais de Vermont. Quase cinqüenta por cento da população bosniana é muçulmana e o resto é adepta do catolicismo ortodoxo de Bizâncio, aquele cuja liturgia é toda em aramaico (rito maronita). Noutras palavras, ele estava mais encouraçado que se paramentado com cinto de castidade. A terceira parte dele ainda nutria preocupações em relação a Anne, pois um instinto premonitório avassalador lhe dizia que ela se encontrava em perigo mortal, ou pior que isso. Mas como iria convencê-la? argumentando "acredite em mim, eu tenho o dom da profecia"?

Acabou enfiando a cabeça toda na pia bem limpa do elegante banheiro, pia essa que provavelmente ele havia inaugurado, e deixou o jato da torneira lamber seus cabelos até suas faces em brasa esfriarem e ele ficar com a aparência de um pinto molhado. Quem sabe agora, mais ridículo, ela pararia de o ficar tentando, pois embora estivesse decidido a resistir, os efeitos da tentação eram tão publicamente constrangedores quanto desconfortáveis, especialmente na hora de andar.

Então ele se permitiu inventar um discurso tanto para mitigar a sanha sedutora dela — que fazia seu coração fundir no peito e o estômago ir parar nos pés (sem contar os efeitos mais visíveis) — quanto para convencê-la a ficar longe de Stratton. Voltou até a mesa resoluto, os cabelos pingando, ignorando estoicamente os olhares desdenhosos daquele bando de aristocratas invejosos! Incontinenti, sentou e pôs-se a falar bravo, não porque estivesse assim mas para "bancar o macho" - ele já estava fugindo de uma noitada com a mulher mais bonita ali, e se por um lado uma das razões era machismo contra a dada leoa, essa mesma fuga também maculava a "honra" machista. Torturante dilema para um cara que recebeu formação religiosa repressora.

- Olha só, eu não queria ter que fazer isso pelo jeito mais duro, digo, mais difícil. Bom, no inglês a palavra quer dizer a mesma coisa — ele pensava em croata e traduzia depois, o que tornava sua fala arrevesada algumas vezes, especialmente quando tentava articular-se rápido e oprimido por uma dignidade ultrajada, como naquele momento. — Stratton é um maníaco, um psicopata sexual, que vai comer você não desse jeito gostosinho que você está pensando não! Ele assa a periquita numa churrasqueira e come depois, come, entendeu, canibalmente — fazia a mesa pular com murros bravios — que eu tenho que fazer a distinção porque no meu idioma não se usa pra sexo a mesma linguagem que se usa pra gastronomia, não somos levianos assim. Ou você acha que eu sou o quê? Uma salsicha? — misturava as coisas, tanto por causa do efeito do álcool quanto pela perturbação natural que Anne lhe causava aos hormônios, ao cérebro, a tudo, encaixando sermão em função do seu moralismo ofendido. — Eu aqui tentando te ajudar e você vindo me perguntar há quanto tempo eu não faço amor??!!! VOCÊ ESTÁ FORA DE SI!!!!?????? — ele urrava feito um animal enlouquecido.

Agia como se tivesse sido insultado, e estava, mas não pela pergunta em si, e sim pelo que ela o obrigava a responder: que ele era um celibatário, condição que aprendera nos Estados Unidos ser pejorativa.

- Sabe aquela história das três vereadoras desaparecidas e do procurador de justiça que foi parar no hospital com anemia profunda? Obra e graça do seu Stratton abominável, que usou os corpos daqueles excomungados num culto escabroso a Baphomet, diante do qual ele fica dançando só de sunga, enquanto espisoteia as vítimas dos sacrifícios, com cujo sangue ele alimenta seu bode maldito que hoje já está do tamanho desta mesa, super-alimentado.

Talvez no vilarejo supersticioso de onde vinha Behnam, o discurso teria assustado alguns campônios e um par de carolas dispostas a acreditar em qualquer absurdo que pudessem transformar em fofoca cabeluda, mas perturbado pelas emanações ferormônicas de Anne ele já não raciocinava muito bem. A maneira encolerizada de falar com a moça só provava, para o observador atento, o quanto ele queria se engalfinhar com ela ali mesmo, virando manchete para o maior escândalo do ano. Mas instinto é uma coisa, tabu é outra. A história de um Stratton discípulo de Baphomet não era de todo falsa: o sumiço das vereadoras e o estado de saúde periclitante do procurador hospitalizado tinham que ver com o diretor da Spectron Pharmaceutical Laboratories, mas Behnam não sabia disso; não percebia que estava sendo canal de revelações nada fictícias, apesar do objetivo e circunstâncias fantasiosas que emprestava à cena.

A despeito de toda a postura encapelada e do moralizador dedo em riste, ele ardia em desejo de que Anne o enfiasse na bolsa e o levasse para casa ou coisa parecida.

- E tome como presságio! Se um dia Stratton agir estranho com você, entenda como aviso de que deve deixar a empresa imediatamente, pois morar debaixo da ponte é melhor que perder a alma!

Nem Behnam sabia o valor da advertência que proclamava feito o arcanjo das trombetas apocalípticas, desapercebido de seu dom oracular.
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Anne Marrie Wills

Anne Marrie Wills


Origem : Nova York
Ocupação/função : Programadora

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MensagemAssunto: Re: Les Papilles   Les Papilles Icon_minitimeQua Mar 24, 2010 8:43 am